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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Costa Concórdia

Foram ontem reproduzidas as comunicações entre a Guarda Costeira Italiana e o comandante do navio cruzeiro transatlântico – Costa Concórdiaque na passada sexta-feira, dia 13 de Janeiro naufragou parcialmente ao largo de Ilha de Giglio, vitimando 11 pessoas - havendo ainda, por esta altura, mais de 20 desaparecidas. No dia a seguir ao naufrágio soube-se que o mesmo teria sido resultado de erro humano, pelo facto do comandante do navio, Francesco Schettino, ter feito um desvio não autorizado, da sua rota, aproximando-se fatidicamente da costa. Essa alteração de rota tinha como objectivo surpreender o Chefe de Sala, que seria natural dessa ilha. O resultado de tal imprudência e irresponsabilidade foi desastroso. Ao embater em algumas formações rochosas no local, abriu uma fenda no casco do navio com cerca de 70 metros de comprimento, levando-o a adornar. A bordo estariam mais de 4000 passageiros, que seriam miraculosamente resgatados pelos membros da tripulação, em menos de 2 horas. Quanto ao comandante, esse, para além de se ter recusado durante 3 horas a dar ordem de retirada dos passageiros (que só teve lugar depois de uma espécie de motim por parte da tripulação), abandonou-o, pondo-se a salvo, numa atitude de extrema falta de profissionalismo e cobardia. E, mesmo depois de ser obrigado pela Guarda Costeira Italiana a voltar à embarcação recusou-se a fazê-lo...

Já estou a ver o filme todo...

    Na faustosa e imponente ponte, debaixo de um sol já baixo mas ainda reconfortante, próprio de um final de tarde de Janeiro, enquanto o transatlântico – Costa Concórdia – rumava serenamente dentro da rota inicialmente prevista (como já havia feito mais de uma dezenas de vezes), rasgando impiadosamente as águas serenas do mar mediterrâneo, o comandante acompanhado de uma esbelta e jovem mulher moldava (que viajava clandestinamente – perante as autoridades, não de Francesco), decidiu chamar o seu fiel Chefe de Sala para dar conta da surpresa que lhe preparava.
    A surpresa tinha como objectivo, não tanto surpreender aquele funcionário mas, deixar embevecida a dançarina de 25 anos, por quem o comandante se havia enamorado algumas semanas antes, numa demonstração de puro poder. Quando o Chefe de Sala abriu a porta, que dava acesso ao cérebro do navio, ficou estupefacto não só com o que viu mas, principalmente com o que ouviu sair da boca do seu comandante.
    Francesco Schettino, Engenheiro Naval Napolitano de 52 anos, apesar de já ser homem casado e pai de uma filha, continuava a ser o mesmo indivíduo pouco responsável, mulherengo e gabarola compulsivo que conhecia havia muitos anos. Já o seu pai, com quem o Chefe de Sala privara ao longo de mais de 20 anos, (lembrava-se) era assim. Runs in the family.
    Desta feita, Francesco estava sentado junto do imenso painel de comandos do navio com Dominika, a seu colo.
    Ela tinha a tez branca e a sua cara estava salpicada de sardas alaranjadas, sobretudo junto ao seu pequeno e arrebitado nariz. Os seus olhos faziam querer que havia muitas noites que o tempo que dormia não fera o suficiente. Tinha umas olheiras pronunciadas e muito profundas. De tal maneira, que a base que usava para as disfraçar não era suficiente para as esconder. Já a cor dos seus olhos fazia inveja ao mar de tão azuis e limpidos que eram. A expressão era doce e provocadora. O cabelo, que estava apanhado, percebia-se ondulado e comprido, cor de ouro. Mas de todas as suas características fisicas aquela que mais sobresaia era a sua elevada estatura e a magnificiência das formas do seu corpo. Vestia um vestido preto tão curto e justo que seus fartos seios pareciam querer saltar, para fora daquele “colete-de-forças”, sempre que ela respirava. Não era muito bonita no entanto fazia uma bela vista como mulher.
    Com um sorriso trocista que lhe rasgava toda a sua redonda e reborizada face Francesco disse:
    - Hoje, quando passarmos por Giglio, vais poder acenar à tua família... – Francesco fez uma pausa. - Até se vão passar, pah... – continuou, elevando ainda mais a sua voz, rouca e anasalada, com vestígios de algum alcool proveniente do “Famous Grouse” que o acompanhava sempre em todos os cruzeiros – Vou atracar mesmo à frente da tua casa! – Concluiu.
    Surpreendido, o Chefe de Sala ainda esboçou a pergunta que se impunha naquele momento:
    - Mas não será perigoso, comandante...?! – Balbuciou. – Pode haver... – Mas já não concluiu o que tinha para dizer.
    De súbito, Francesco levantou ambas as mãos do painel de comandos do navio e apontando firmemente com o seu dedo indicador direito, já muito amarelado resultado do fumo que saía da ponta dos 20 cigarros diários que fumava, na palma branca e áspera da sua mão esquerda, Francesco retorquiu:
    - Qual perigoso, qual quê... conheço estes mares como a palma da minha mão... até parece que ainda não me conheces... – E dizendo isto, voltou a pousar a mão direita sobre o painel que controlava as 114.500 toneladas do Costa Concórdia. Mas a mão esquerda, essa, repousou-a sobre a aveludada pele da coxa desnudada de Dominika numa atitude de pura gabarolice.
    Ela corou... mas não se importou. Ela gostava deste tipo de tratamento. Fazia-a sentir-se importante e desejada. Ambos sorriram, olharam-se e, alheios à presença daquela figura já muito envelhecida pelo tempo, trocaram um prolongado e terno beijo.
    Sem qualquer espécie de autorização, Francesco Schettino alterava, nesse preciso momento, a rota da embarcação dirigindo-se confiante em direcção à costa da ilha Giglio, ao mesmo tempo que sussurrava palavras doces e obscenas ao ouvido daquela bela e quente mulher, que amara loucamente na noite anterior.
    O Chefe de Sala permanecera ali, de pé, constrangido e com um sentimento ambíguo de contentamento (como sentia sempre que se aproximava da sua terra natal) mas ao mesmo tempo de receio. Afinal de contas era bem mais velho que o comandante e sabia dos perigos que podiam advir daquela (parecia-lhe) irrefletida decisão. Para além do mais, não se sentia confortável na ponte do navio. Mas esse desconforto já não era de agora. Nunca se sentira. Não é o meu lugar. Já no tempo em que ele era Chefe de Sala do pai de Francesco acontecia a mesma coisa. Mas com Francesco esse desconforto era muito maior, já que este sujeitava-o (e esta não era a primeira vez) a assistir a um espectaculo degradante de pura luxúria sempre que ali se fazia acompanhar de mulheres. Já estava velho demais para aquilo. Mas o comandante ordenara-lhe que ali permanecesse e por isso não tinha alternativa senão obedecer. Ficou.
    A embarcação, a uma velocidade aproximada de 30 nós, começava a descrever uma curva de tal forma pronunciada, que a proa parecia querer engolir toda a pequena Ilha de Giglio. A noite, que entretanto chegara, não deixava que se vislumbrasse no exterior mais nada do que a singela iluminação proviniente dos candeeiros que corriam ao longo da estrada portuária e das casas que compunham a costa daquela pequena ilha.
    Dominika continuava ao colo de Francesco quando inesperadamente se sentiu um enorme estrondo acompanhado de um movimento de tremor de todo o corpo do Costa Concórdia. No mesmo instante, toda a iluminação do transatlantico, depois de aumentar instantaneamente de intensidade - como se de um flash se tratasse -, apagou-se por completo deixando todos os seus compartimentos num completo negrume.
    Francesco Schettino, apesar de já consideravelmente ébrio, ergueu-se num pulo. Fê-lo com tal violência que não fora a flexibilidade de Dominika e esta quase caía desamparada no chão. Schettino nem queria acreditar. Incrédulo, e tentando a todo o custo recuperar o seu estado de consciência que os Whiskys que bebera lhe fizeram perder, percebeu que havia embatido em alguma coisa. Rochas...
    - O que aconteceu, amor...?! – Indagou Dominika ainda mal refeita do susto que apanhara.
    Francesco não lhe respondeu. Estava demasiadamente embrenhado, junto dos comandos daquele hotel flutuante com 1500 cabines e um sem número de espaços de lazer, sem perceber ainda o que se havia passado. Mas que raio...
    O transatlantico acabara de entrar numa zona altamente rochosa e pouco profunda.
No convém percebia-se a movimentação atabalhoada das pessoas que áquela distância pareciam formigas a deslocarem-se em direcções completamente erráticas e sem qualquer sentido.
    De imediato, Francesco tentou fazer com que o navio parasse. Mas já era tarde demais. Uma embarcação daquelas não se imobilizava à mesma velocidade do pensamento. Não pode ser...
    Francesco nem queria acreditar no que estava a acontecer. Não podia crer que o navio tivesse embatido nas rochas que, agora com a visão mais clara, conseguia observar a estibordo.
    Percebendo o que se estava a passar e começando, poucos minutos depois, a ser indagado por alguns membro da tripulação, que entravam de rompante na ponte a fim de obter alguma informação, este ia dizendo para que estivessem quietos pois estava tudo sob controlo.
    - Não se passa nada… - Gritava. - Não se passa nada…
    - Mas, comandante… o navio está a começar a meter água… não seria
melhor começar a proceder à evacuação de todos os passageiros… antes que seja tarde demais…?! – Insistiam os tripulantes. As suas faces estavam anormalmente suadas e os seus semblantes eram graves e assustados.
    - Não. Não façam nada… está tudo bem! É uma ordem… – Gritava,
Francesco. Também ele já estava encharcado em suor. Estou tramado.
    Não queria, de maneira alguma, que se iniciasse qualquer operação de evacuação pois isso seria reconhecer uma situação de crise, que ainda tinha esperança que não se instalasse. Estava certo que ainda conseguiria remediar aquilo que já todos começavam a perceber que era irremediável. Continuava, mas já sem qualquer tino, a tentar tirar o Costa Concórdia dali. Pior a emenda do que o soneto. A situação degradava-se a cada minuto que passava.
    Dominika, percebendo que a embarcação começava rapidamente a adornar a estibordo tentava convencer Francesco a dar ordem de evacuação.
    - Amor, tens de falar com a tripulação... como é que as pessoas saiem daqui...?! Já vi uma série de pessoas a atirarem-se ao mar. – Dizia, enquanto levava as mãos à cabeça, em sinal de incredualidade e desepero – Oh... isto é horrível!!!
    - Sim, Comandante! Seria melhor para todos... – Corroborava o Chefe de Sala que, olhando através das janelas laterias, percebia que o navio, com apenas 6 anos desde que tinha saido na sua viagem inaugural, estava iremediavelmente perdido. 
    Mas Francesco, por esta altura já não ouvia nada nem ninguém. Estava gelado e confuso. Estava derrotado sem saber o que fazer. E agora?!
    Entretanto, os passageiros corriam desordeiramente por todos os, até então, luxuosos espaços daquela embarcação. Ouviam-se gritos que ecoavam por toda a parte e ar começava a ficar gélido, adivinhando-se uma terrível noite de sexta-feira.
    Observando este cenário caótico, que piorava a cada minuto que passava, a tripulação decidiu agir em conformidade, pondo em prática tudo aquilo que havia aprendido ao longo dos incontáveis simulacros realizados.
    Os três oficiais mais graduados do Costa Concórdia subiram à ponte a fim de darem conta ao comandante sobre a sua decisão. Francesco encontrava com a cabeça debruçada sobre os braços, ambos cruzados em cima do painel de instrumentos num sinal de que teria “atirado a toalha ao chão”. Estava derrotado. Continuava abraçado por Dominika e ladeado pelo seu fiel Chefe de Sala. Tenho de sair daqui...

O resto da história já conhecemos...

O comandante, vendo “a sua vida a andar para trás”, acobardou-se e tentou sair dali o mais rapidamente possível, metendo-se num bote juntamente com Dominika e com alguns passageiros que iam sendo, entretanto, estoicamente resgatados pela tripulação. Chegado a terra não lhe restou mais nada do que o arrependimento da acção irresponsável que havia tomado. Passou a ser um mero espectador de tudo o que ia sendo noticiado pelas televisões do mundo inteiro. Rezava para que a tragédia não fosse muito grande. Mas enganou-se. Entretanto, o seu telemovel tocou. Era da Guarda Costeira Italiana...

Hoje, Francesco Schettino é considerado (e, quanto a mim, bem) o homem mais odiado de Itália, incorrendo numa pena de 15 anos de prisão por homicídio por negligência.

É por estas e por outras que o meio de transporte que prefiro usar para viajar é o carro. O meu próprio carro e conduzido por mim. Aí sim, sinto-me seguro pois sei o que vou a fazer. Sou eu que controlo a situação. Todos os outros (avião, barco ou comboio) são perigosos, não pelas máquinas em si mas, por todos aqueles que as conduzem que não deixam de ser humanos e por isso sujeitos ao erro, seja ele técnico ou (de)formação.

Há muitos Francesco Schettino’s por aí…


Luís Alturas, 18 de Janeiro de 2012

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Troca

Há que estarmos preparados. Preparados para tudo. E, muito bem preparados… para, depois, não nos desiludirmos…

Todos nós aspiramos um cantinho no céu, quando chegar a nossa vez de irmos “desta para melhor”. Quando deixarmos esta nossa vida terrena e passarmos exclusivamente à outra - àquela que chamam de espiritual. Achamos (porque tal nos tem sido incutido ao longo da vida) que o céu será um lugar maravilhoso para se estar. Um lugar onde reencontraremos todos aqueles que nos foram queridos e onde seremos eternamente felizes.

Isso é o que eles (cristãos) dizem…

Mas quem nos garante a nós que o céu é um lugar, assim, tão virtuoso?! Tão cheio de encantos?! Que não nos desiludiremos quando lá chegarmos?!

O céu pode ser um lugar altamente desconfortável, frio e sombrio; cheio de leis, normas, regulamentos e directivas, onde não se pode dar asas há satisfação do prazer; onde haja hora de alvorada às 6h00 da manhã e hora de recolher obrigatório às 22h00; onde as mulheres estejam de um lado e os homens do outro!

Deus (o chefe) pode ser um ente conservador e tirano, que põe e dispõe de tudo e que não tolere comportamentos que não estejam dentro dos padrões que Ele ache serem os razoáveis.

E pior… Deus pode achar por bem castigar todo aquele que fuja à norma instituída (quando olha para uma; toca na outra; brinca com duas, três ou mais ao mesmo tempo; enfim… é melhor parar por aqui…)1, atribuindo-lhe a missão angelical, que é como quem diz, obrigando-o a trocar o par de gónadas (vulgo, testículos) por um par de asas…

Não quero ser nenhum anjo…

Se assim for, está decidido… quero ir para o inferno!


Luís Alturas, 13 de Janeiro de 2012

1 O autor refere-se a corpos celestiais