Acerca de mim

A minha foto
Nada a dizer!!! Só escrever...

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)

Capitulo XI

Belém, 25 de Dezembro do ano 7 a.C.

    - Desculpai, sua senhoria… mas que está cheio e não suporta mais ninguém... – Desculpou-se o anafado homem que geria o albergue de onde José e Maria saíam, agora, desolados sem que tivessem outro lugar onde ficar.

   Haviam, finalmente, chegado a Belém. Tinham-se feito transportar num jumento, que lhes havia sido emprestado por um vizinho, em Nazaré. Tal jornada demorara 5 dias e 4 noites e havia sido extremamente extenuante, principalmente para Maria, que já estava num avançado estado de gravidez.
    Quando aí chegaram a noite fazia-se cair muito rapidamente, bem como a temperatura que parecia querer acompanha-la. Aquele Inverno mostrava-se extremamente rigoroso, não só pelas baixas temperaturas como pela chuva, que não dava tréguas, teimando em cair copiosamente durante dias e noites consecutivos. O sol, esse, já há muito que não se deixava ver nos céus da Judeia.
    Para não terem de pernoitar uma vez mais ao relento – como havia acontecido nas 4 noites anteriores – logo que chegaram àquela que era a cidade natal de José, deslocaram-se ao albergue que ele sabia dar guarida, bem como alguma comida, a todos aqueles que fossem viajantes. Mas porque eram chegados os derradeiros dias para o recenseamento obrigatório, eram às centenas os que ali já haviam chegado, antecipadamente, com o mesmo propósito. Assim, quando José indagou o homem, que lhe haviam dito ser o responsável por aquele asilo, logo fora confrontado com uma resposta prontamente negativa.
    - Já não tenho espaço para vos acomodar, senhor…
    - Não vedes que a minha senhora carrega criatura em seu ventre e que não pode ficar sujeita a tão fria e desabrida noite…?! – Continuara José, tentando apelar ao sentimento daquele homem que parecia não ser minimamente sensível a tal condição.
    - Percebo senhor… – Respondia aquela gorda figura, de barba rala e pele encardida, olhando para Maria que se detinha encharcada à porta do albergue, com os olhos posto no chão. - Desculpai, sua senhoria… mas que está cheio e não suporta mais ninguém…
    Desolados e percebendo que não conseguiriam jamais guarida naquele albergue, não lhes restara outra alternativa senão deslocarem-se para fora do povoado à procura de algum casebre abandonado ou alguma gruta que por aí houvesse.
    Após terem caminhado, um par de horas, por caminhos tortuosos e trilhos enlameados, encontraram uma pequena gruta incrustada numa escarpa rochosa que servia de estábulo para os animais se refugiarem. Não lhes restando alternativa, e uma vez que Maria estava cada vez mais queixosa, percebendo que o nascimento do fruto do seu ventre estaria para muito breve, acabaram por fazer daquele exíguo e fedorento espaço o seu abrigo para aquela noite.
    Depois de ali se terem instalado o mais confortavelmente que lhes fora possível, deitaram-se sobre a palha mais enxuta que haviam conseguido reunir a fim de repousarem. Não demorara mais do que um minuto e José começara a dormir. Já Maria, não.
    Ao contrário do que fora o seu intento, essa noite viria a revelar-se ainda mais extenuante e penosa do que as anteriores. A determinada altura, as águas do seu ventre soltaram-se encharcando-lhe as pernas e as dores, que a atormentavam desde que chegara a Belém, deixaram de lhe dar tréguas começando a ser cada vez mais constantes e dilacerantes. Nesse momento ela tivera a certeza. É hoje…
    Não querendo perturbar o repouso do seu esposo que, agora, dormia profundamente – e que só viria a acordar mais tarde com o ruído inusitado de um choro – e não havendo mais ninguém para a ajudar a consumar aquele acto tão natural, Maria haveria de parir nessa noite, sozinha e no local mais escuro e recôndito daquela gruta, aquele que viria a ser considerado o novo messias – Jesus.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capítulo X

Betabara, 22 de Agosto do ano 30 d.C.                                                                                                  

    Com a ajuda dos magníficos e eficazes preceitos daquela figura tão singular, o homem que já estivera praticamente morto havia, agora, renascido.

    Desde que ali chegara, João passara a comer à mesma mesa com os demais. Não era homem de muito sustento no entanto, acabava por ser mais uma boca a contribuir para o despejo dos víveres daquela humilde casa. Uma vez que estariam ali provisoriamente, Madalena não havia comprado galinhas nem feito sementeira. Desde o primeiro dia que a comida era comprada ocasionalmente, com a ajuda de algum dinheiro que Madalena amealhara em Jerusalém, no pequeno mercado daquele povoado. Esses comestíveis consistiam, fundamentalmente, de farinhas, legumes e algum peixe.
    Certo dia, João informara Madalena que iria, ele mesmo, ao mercado comprar o que ela havia colocado em rol. Achava por bem ajudar no sustento daquela casa que passara, também, a ser sua. Uma vez aí chegado, e enquanto percorria os acanhados corredores daquele espaço, sempre imensamente povoado e repleto dos mais variados tipos de cheiros, cores e sabores, o seu olhar fixara-se num homem de figura e comportamento bizarros. Já muito envelhecido pelo tempo e com uma cútis excepcionalmente morena, a sua face estava repleta de intricados e profundos sulcos, que se estendiam da fronte até ao proeminente queixo do qual fazia pender uma estreita e longa barba branca. Com um turbante dourado a adornar-lhe a cabeça e com um manto escarlate bordado a ouro sobre uma túnica negra, o homem fazia grande algazarra, dizendo-se curandeiro. “Fui abençoado com umas mãos milagrosas… consigo curar todos os males e enfermidades…”, bradava essa figura singular, ao mesmo tempo que lançava as suas mãos em direcção a todos quantos por ele passavam. “Toquem as mãos de Deus…! Sintam o seu poder…!” – Continuava.
    Uma vez que os unguentos que, certo dia, Joshua levara ilicitamente daquele mesmo local não haviam tido, até então, o efeito curativo pretendido nas feridas perfurantes do seu amo que teimavam em não sarar, João abeirara-se dele e indagara-o.
    - É sério aquilo que dizes…?!
    - Sério, senhor… – Respondera-lhe, com um olhar de tal forma penetrante e revelador que João não ousara mais questioná-lo.
    - Quero, então, que vás comigo… mas com uma condição! Não deverás jamais questionar sobre quem tratas nem, tão pouco, avisar alguém que o fazeis. – Dissera-lhe João, com uma voz grave, ao mesmo tempo que lhe colocava dissimuladamente uma moeda na palma da mão. Olhando para a moeda o homem sorriu e, com um vigoroso abraço, aquiesceu.
    - Certo, senhor…
    Desde então, passara a dirigir-se todas as madrugadas – muito antes do sol nascer – a casa do seu amo prestando-lhe tratamentos. Graças aos preceitos daquele que se viria a mostrar um bom samaritano, curandeiro de profissão, cujas mãos pareciam ter olhos e as palavras vontade, as fracturas em ambas as mãos e ambos os pés começavam a solidificar-se alinhadas, bem como as feridas espalhadas pelo corpo que começavam a sarar.

    Naquele escaldante dia de Agosto, e pela primeira vez desde que ali chegara, João pudera observar o seu amo a levantar-se da cama, sozinho, e dirigir-se em passo lento e cambaleante até ao exterior da casa, recusando a ajuda de todos quantos assistiam a este inédito comportamento. Ninguém queria acreditar naquilo que os seus olhos viam. Maria, Madalena, Joshua e Hanna ficariam petrificados a observar atónitos a tamanha proeza.
    Uma vez aí chegado, ajoelhara-se no chão e, erguendo as suas mãos para o céu, proferira uma única palavra:
    - Obrigado…
    Nesse dia João percebera que ele havia renascido.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capitulo IX

Nazaré, 15 de Agosto do ano 7 a.C.

    Os meses iam-se passando e Maria não conseguia esconder por muito mais tempo a sua proeminente e reveladora barriga. O que quer que trajasse, para disfarçar tal deformação, já não tinha a quantidade de tecido suficiente para o fazer eficazmente. José ainda não se tinha apercebido de tamanha metamorfose anatómica no ventre da sua mulher pois não partilhava com ela a mesma cama. Nunca o havia feito. Apesar de esposos, havia mais de um ano, o seu casamento ainda não havia sido consumado.

    Descendente da casa de David, filha dos nazarenos Joaquim e Ana, Maria fora criada em Jerusalém pela sua tia materna Elizabete e pelo seu esposo Zacarias. Tivera uma infância normal, alegre e tranquila e com o passar dos anos tornou-se numa bela mulher. De tal maneira que, a certa altura, fora muito cobiçada por todos os homens em idade de casar. Não era muito alta, no entanto a sua expressão corporal não deixava ninguém indiferente. A sensualidade dos seus contornos combinava na perfeição com a doçura do seu olhar. Os seus olhos brilhantes cor de azeitona e o seu cabelo escorrido, que se ocultava por baixo do véu, eram de um negro tão escuro que envergonhava a própria noite. Ao contrário do seu recatado nariz, os lábios apareciam indiscretamente carnudos e escarlates. Simples na maneira de trajar, Maria tinha uma pela clara, fina e doce.
    Por influência de uma educação monástica, desenvolvera, desde muito cedo, um grande interesse pelos rolos de papiros da Escritura Sagrada, que eram guardados na sinagoga e lidos e discutidos nas reuniões semanais dos judeus de Nazaré. Por essa razão fora desenvolvendo um extremo senso de religiosidade e pusera-se-lhe na ideia que Deus a escolheria de entre as mulheres, para uma missão divina na Terra.

    Maria tinha somente catorze anos quando se tornara noiva de José, de quem era ainda aparentada, e havia-lhe pedido para que este aguardasse algum tempo até que se sentisse preparada para consumar tal relação. Afinal de contas, era ainda muito jovem e aquele acto, que apenas ouvira falar, por mulheres bem mais velhas, repugnava-a. Durante o dia não se viam, pois José partia para a oficina com os primeiros laivos de sol e quando regressava, para a ceia, já ela se havia deitado. Mas naquele dia, Maria decidiu esperar pelo seu esposo e contar-lhe sobre a transformação que se processava dentro do seu ventre. Teria de ser convincente, pois de outra forma – caso José percebesse que havia cometido adultério – corria o sério risco dele a denunciar e de vir a ser morta, na praça pública, por apedrejamento. É hoje…
    Mal entrara em casa, José sentira o habitual cheiro a óleo queimado, proveniente da lamparina que se mantinha acesa durante todo o dia, acomodada numa cavidade na parede. Descalçara as suas sandálias e estendera a sua esteira no chão de terra batida a fim de fazer as suas orações habituais antes da ceia. Mas ainda não se havia ajoelhado quando, de súbito, Maria saía do seu quarto e se perfilava diante dele, vestida com a mais fina tunica de linho que possuía.
    - Que fazeis aqui, mulher?! – Indagara-lhe, espantado por vê-la, ali, naqueles preparos. - Porque não estais deitada em vosso leito...?!
    - Tenho uma coisa de muita importância para vos contar, senhor... – Respondera-lhe Maria, depois de encher o seu peito com maior quantidade de ar que o mesmo suportava, para não lhe faltar a coragem de soltar aquelas palavras que se detinham, havia muito tempo, presas na sua boca e retidas no seu espírito.
    - Olhai para o meu ventre, senhor... – Continuara, esticando agora a sua túnica de forma a evidenciar aquilo que desejava, nessa noite, mostrar.
    -Que se passa com vosso ventre, mulher?! – Indagara, José, ao mesmo tempo que olhava atónito para aquela redonda e proeminente barriga.
    - Fui abençoada, senhor... hoje, enquanto jazia deitada em meu leito, um anjo alado feito de uma luz tão imaculada e cintilante que ocultava as suas feições, visitou-me dizendo-se ser um mensageiro de Deus... disse-me que eu havia sido escolhida por Ele para transportar dentro do meu ventre aquele que será considerado, por todos, o messias... o Seu filho, que virá à terra para salvar o homem de todos os seus pecados...
    - Estais segura que era de um anjo que se tratava, mulher?! – Indagara, agora já muito inquieto.
    - Achais que vos estou mentindo, senhor...?! – Respondera-lhe, enquanto baixava os seus olhos para o chão e afagava delicadamente o seu ventre.
    - Não... – Balbuciara. José estava muito pouco seguro das palavras que ouvia sair da boca da sua, até então, casta mulher. - Mas, como é possível que já estejais com o ventre tão inchado, mulher…?!
    - Não vos sabei responder... no entanto, não ouso questionar os desígnios do Senhor... – Defendera-se assim, enquanto juntava as palmas das suas mãos, por altura do peito, em sinal de veneração. – Vós ousais, senhor…?!
    Apesar de ser um homem muito crente e devoto, José não se convencia com aquela história que, agora, lhe era contada por Maria. Aquela condição do seu ventre não poderia ser, de forma alguma, obra e graça do espírito santo. Era impossível. Tivera-a sempre em boa conta e, agora, percebia que se havia enganado. Maria havia pecado. Havia cometido adultério. No entanto, pior do que leva-la ao julgamento público, condenando-a à morte certa por apedrejamento, seria a cruz que José teria de carregar durante toda a sua vida se toda a população do burgo viesse a saber que havia sido traído pela sua mulher. Isto (sabia-o) não iria conseguir aguentar. Assim, e da mesma forma subtil com que Maria lhe contava aquela história descabida, também José começava a fingir que se convencia com aquilo que ouvia.
    - E como se chamava esse anjo, mulher… Disse-vos?!
    Neste momento, Maria lembrara-se de Gabriel. Mas não ousou pronunciar tal nome. Nem esse nem nenhum outro, pois poderia levantar suspeitas, agora que parecia que a sua história estava a ser convincente.
    - Não mo disse, senhor...
    - Tendes a certeza do que me estais a dizer, mulher...?!
    - Claro, meu bom esposo... nunca me passaria pela cabeça mentir-vos... vós sabeis... – Disse Maria, em jeito de remate, enquanto se voltava em direcção ao quarto.
    - Maria! – Chamou-a, José, agora com a voz mais entaramelada que conseguia colocar.
    Ela deteve o passo, olhou para trás e ficou estupefacta com o que observou. José encontrava-se prostrado de joelhos sobre a esteira, com as lágrimas a escorrerem dos seus olhos.
    - Bendito é o fruto do vosso ventre...

    Passados 4 meses José e Maria abandonavam a Galileia a caminho de Belém, na Judeia, a fim de efectuarem o recenseamento obrigatório decretado pela lei romana, desde o édito do imperador César Augusto, mal sabendo que aquele que se fazia viajar dentro daquele ventre haveria de nascer precisamente por essa altura.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capitulo VIII

Betabara, 11 de Abril do ano 30 d.C.                                                                                                      

    Quando viu a figura de Joshua entrar no quarto, de onde ainda não havia saído desde que ali chegara, João abraçara-o com tamanha força e brusquidão que a sacola de couro, que continuava dependurada no seu ombro, caiu no chão fazendo grande estrondo.
    - Joshua... Que trazeis aí, meu filho?! – Sussurrara-lhe João, ao mesmo tempo que olhava para o seu amo que, depois de um breve estremunhar provocado por aquele ruído, havia voltado novamente ao sono.
    - Unguentos, senhor... unguentos que farão cicatrizar as feridas de meu pai… – Informara-o, também ele susurrando, enquanto apanhava de forma lesta e decidida a sacola do chão.
    - Muito bem, meu filho... Bendito sejas...
    - Obrigado, senhor…
    No mesmo instante em que retirava do interior da sua sacola o frasco de vidro translúcido, que afortunadamente não derramara a substância repugnante que preenchia o seu interior, Madalena, que também se havia assustado com aquele estampido, entrava no quarto, sem aviso. Consternada com aquilo que lhe era dado a observar, e percebendo imediatamente que Joshua lhe houvera desobedecido, sentiu-se na obrigação de intervir.
    - O que é isso que segureis na mão, Joshua? - Indagara-lhe inquieta, ao mesmo tempo que lhe agarrava o braço franzino. - Onde o fostes buscar...? Dizei-me que não fostes ao mercado...?! – Sussurrava-lhe estas palavras tão próximo da sua orelha que Joshua conseguia sentir o calor do ar que lhe saia da boca.
    O silêncio de Joshua era, só por si, denunciador.
    - Não pode ser… já te havia dito que não podíeis sair para lugar populoso... E se te tivessem reconhecido? Estaríamos agora na necessidade de fugir novamente... – Madalena continuava a segurar o braço de Joshua, fazendo o seu corpo estremecer com a palavra que lhe murmurava – E vosso pai…?! Tu vedes... que não está em condição de poder sair daqui... Não o façais jamais! Prometei-me...
    Mas Joshua não estava em condições de prometer pois, cabisbaixo, começara a chorar.
    Ao ver a tristeza estampada no rosto da criança, e porque achava que esta não havia merecido tamanha descompostura daquela mulher, que era sua mãe, João logo interveio.
    – Não censurais Joshua por tal comportamento, Madalena. Não vedes que o rapaz é inteligente e astuto?! – E dizendo isto, sem mais delongas, tirou o frasco da mão de Joshua, abriu a sua tampa e começou a espalhar cuidadosamente aquela substância pastosa pelas feridas do seu mentor.
    Nesse momento, Madalena não se conteve. Abraçando Joshua – que soluçava – contra o seu peito, chorou.

    Natural de Magdala, Madalena fora em tempos prostituta, em Jerusalém. Havia sido, por muitas vezes, brutalizada pelos homens a quem vendera o seu corpo e, por essa razão, lembrava-se perfeitamente do conforto que houvera sentido sempre que aplicara, a si própria, tal essência sobre a pele ferida.
    Conhecera aquele homem que ali jazia, deitado à mercê da morte, quando certo dia estivera ela própria à beira de morrer apedrejada, injustamente, por presumível adultério. Fora prostituta mas nunca se considerou a si mesma adúltera, pois nunca fora pertença de qualquer homem. Nunca mais lhe havia saído da cabeça o que ele dissera, demovendo o povo enfurecido de a matar. “Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra”. Haviam sido estas singelas, mas muito verdadeiras, palavras que a haveriam de salvar pois, depois de proferidas, já ninguém ousou fazê-lo. Desde então, Madalena não mais vendera o seu corpo. Apaixonara-se por aquele homem e entregara-se a ele de corpo e alma. Passou a ama-lo incondicionalmente de tal forma, que do seu ventre viriam a nascer Joshua e, dois anos mais tarde, a pequena e doce Hanna.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capitulo VII

Nazaré, 7 de Abril do ano 7 a.C.

    Finda aquela que lhe parecera ter sido a mais longa jornada matinal, desde que ali laborava, e não saindo sem antes agradecer, uma vez mais, ao seu mestre por tamanha consideração, Gabriel saiu a correr, da oficina de José, em direcção à casa de Maria. Ao longo daquele, que se mostrava ser o mais tortuoso e infindável caminho que alguma vez percorrera, tentava passar o mais despercebidamente que lhe era possível, das gentes com quem se cruzava, usando para tal propósito o manto para lhe esconder a cara. Ao contrário do castanho, feito de pêlo de camelo, que habitualmente envergava, naquele dia, especial, havia escolhido o melhor dos mantos de que era detentor – um, bege, de linho fino, feito pelas já muito envelhecidas, mas mesmo assim habilidosas, mãos da sua mãe.
    À medida que se aproximava daquela tão almejada casa, o seu passo tornava-se cada vez mais lesto, de tal forma que, quando não vislumbrava ninguém em seu redor, galgava alguns metros em passo de corrida. Estava ansioso por abraçar e beijar o corpo daquela mulher, com quem sonhava havia tantas noites, desde que a conhecera.
    Quando finalmente chegou a tão aguardado destino, entrou sem se fazer anunciar. A casa, agradavelmente fresca e limpa, parecia vazia. Pé ante pé, Gabriel fez-se, então, aproximar da porta do quarto, que se encontrava entreaberta. Espreitou pela frincha e ficou estupefacto com o que observou. Na penumbra do quarto, desfeita a espaços por alguns raios de sol que penetravam por entre as cortinas dependuradas na pequena janela, Maria encontrava-se deitada nua sobre a cama, com um simples véu de seda escarlate a esconder o seu escultural e belo corpo. Sem ruído, Gabriel entrou no quarto e desfez-se rapidamente de toda a sua roupa. Nu, deixou cair o seu corpo latejante para junto dela. Sem pronunciar qualquer palavra, começou a afagar-lhe suavemente o cabelo e a acariciar a sua quente e aveludada face. O que começou por serem ternas carícias na face, rapidamente se precipitaram para ávidas e descontroladas carícias no pescoço, coxas e seios. Depois de uma pequena e quase imperceptível resistência inicial, que lhe era ditada pela consciência, Maria abandonou-se àquelas carícias com volúpia e desejo, dizendo:
    - Eis-me, agora sou tua, aconteça a mim aquilo que disseste…
    Aqueles dois jovens corpos ardentes amaram-se apaixonadamente, durante um par de horas, em movimentos sôfregos de puro deleite. Abandonaram-se à volúpia e ao desejo. Davam prazer um ao outro, sem que fosse necessário verbalizar. Parecia que já se haviam amado, em alguma altura das suas vidas. Mas nunca o haviam feito. Era, para ambos, a primeira vez. Eram até à data, virgens. Imaculados.
    Depois de terem satisfeito avidamente o seu desejo, permaneceram deitados, ao lado um do outro, em absoluto silêncio. Estavam esgotados. Felizes.
    Quando Gabriel se preparava para abandonar a casa, Maria, com os olhos marejados de lágrimas, fizera-lhe um pedido sentido.
    - Gabriel, prometei-me que não voltais jamais a procurar por mim… A partir deste momento entregarei o meu corpo e a minha alma somente a Deus, Nosso Senhor… e aguardarei humildemente pelo castigo que este tenha reservado para mim...
    Gabriel voltou-se e, com um premonitor aceno de cabeça, anuiu.
    - Bendita sois vós, Maria…

    A partir desse dia, Gabriel não mais voltaria à oficina de José. Não porque tivesse ficado arrependido daquilo que fizera mas, porque – contariam a José ao anoitecer – o seu abdómen havia sido apunhalado incontáveis vezes por dois meliantes, quando se dirigia a caminho de casa da sua mãe. O motivo de tão vil crime fora o roubo do seu manto de linho fino com o qual se fazia transportar.
    - Pobre diabo… que descanse em paz, na companhia do Senhor… – Dissera, a certa altura daquele relato, José.
    Maria ficara em choque, quando José lhe contara, e chorara compulsivamente, durante toda aquela noite. Pensara que este havia sido o castigo que Deus guardara para ela, pelo pecado que cometera horas antes. Ainda não o sabia mas, naquele dia havia sido concebido dentro do seu ventre aquele que, exactamente no mesmo dia, trinta e sete anos mais tarde, viria a ser vilmente castigado para remissão do seu pecado.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capitulo VI

Betabara, 11 de Abril do ano 30 d.C.                                                                                                      

    Era uma criança alegre e muito graciosa na figura. Os fios de cabelo, que se estendia em largas e serpenteantes ondas até aos ombros, pareciam feitos de ouro, reluzindo sempre que o sol lhes tocava. Os seus olhos, grandes e expressivos, eram de um azul cristalino e dócil. O nariz, pequeno, era arrebitado como se apontasse o céu. As sardas que lhe salpicavam a trigueira face e a magreza do seu corpo davam-lhe um aspecto de menino traquina. Havia nascido em Nazaré e desde cedo se revelara uma criança arguta e valente, sendo uma figura imprescindível dentro daquele seio familiar.
    Joshua seguia, agora em passo mais pachorrento, o caminho de volta a casa. Caminhava feliz, com a sacola a tiracolo, pontapeando alegremente os seixos que se entrepunham no seu caminho. Fazia-o com tal fulgor que as suas pernas, bem como a túnica branca que envergava debaixo do manto, adquiriam a mesma cor alaranjada do pó que fazia levantar do chão. Calcorreava por um trilho de terra seca, ladeado por uma densa moita de loureiros, ao longo daquele curso de água que tão bem conhecia.

    Muito perto de Jericó, no deserto da Judeia, Betabara era uma aldeia muito pobre e árida. Era um ponto de passagem de muitos beduínos, que viviam do comércio de vários produtos no mercado local. Com pouco mais de uma centena de habitantes, estes fixavam-se sobretudo ao longo das margens do rio Jordão vivendo do cultivo de legumes e fruta. E fora precisamente das límpidas e cristalinas águas desse rio que, havia apenas 4 anos, o seu pai fizera questão de sujeitar toda a família ao baptismo, pelas mãos de um seu amigo de infância, João Baptista. Recordava-se perfeitamente desse dia, não só pelo preceito em si, que achara divertido, como também pela relutância e estupefacção que o homem mostrara em faze-lo quando vira o seu pai.
    - Eu é que preciso ser baptizado por ti, e tu vens a mim? – Indagara-o, com uma expressão de assombro espelhada no rosto.
    Nisto, Joshua ouvira o seu pai responder de forma assertiva.
    - Deixa por agora, porque assim nos convém cumprir toda a justiça. – Disse.
    Dito isto, João pegara em duas mãos cheias de água e fizera-a derramar sobre a cabeça do seu pai.

    Quando se aproximou de casa viu a figura de um animal que se detinha sentado sobre os joelhos dianteiros e reconheceu-lhe os mantos que revestiam o seu dorso. Aquele camelo pertencia (sabia-o) ao melhor amigo do seu pai. João…

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)

Capitulo V

Betabara, 11 de Abril do ano 30 d.C.                                                                                                      

    João permanecia incrédulo a contemplar aquilo que lhe parecia ser um grandioso milagre. Mais uma “obra do Senhor”. Sabia-o com desígnios insondáveis. E este era, certamente, um deles. Como era possível que o seu amo ainda respirasse o mesmo ar daqueles que habitavam o reino dos vivos? – Pensava. Afinal de contas, tinha-lo visto morto. Tinha feito questão de o acompanhar no seu terrível calvário. Tinha visto o seu corpo, inerte e já sem vida, a ser cuidadosamente embrulhado num lençol de linho branco e a ser transportado cuidadosamente por Maria, Madalena e outras mulheres para a gruta dos mortos. A visão do seu mentor que ali, agora, jazia vivo fazia-o lembrar-se de Lázaro de Betânia, que estivera também morto e que graças ao milagre do Senhor havia voltado à vida.

   Recordava-se como lhe tinha chegado ao conhecimento tão surpreendente notícia. Através de Tomé, quando naquela noite de Domingo aparecera em sua casa, à hora da ceia, sem que fosse esperado:
    - O Senhor está vivo..! – Sussurrara-lhe ao ouvido, de uma forma discreta, certificando-se que mais ninguém naquela mesa ouviria tamanha revelação.
    Ao ouvir tão assombrosa confissão, João quase se engasgara. Não queria acreditar no que acabava de ouvir. Largando, de súbito, a colher que detinha na sua mão direita e que transportava o caldo de galinha, a meio caminho entre o prato e a boca, levantou-se e agarrando firmemente pelo braço de Tomé arrastou-o até o terreiro fronteiriço à casa. Impossível…
    Na mesa, que abandonara de forma abrupta, a sua mulher e o seu filho haviam ficado assustados com tão estranho e inédito comportamento, que não era de forma alguma apanágio da educação que João sempre lhes exigira durante as refeições. A mesa é um local sagrado...
    Já lá fora, e certificando-se que já não havia ninguém por perto, João e Tomé, retomariam tão surpreendente e reveladora conversa.
    - Que dissestes, meu bom Tomé?! Estais seguro que não blasfemas… – Mas, João já não concluiu pois, prevendo aquilo que João lhe iria dizer, Tomé logo continuou.
    - Não… Claro que não, João. É a mais pura das verdades. O Senhor não morreu... Foi Maria que mo disse e pediu para que vos desse notícia!
    - A sério?! Mas como…?! – O espírito de João continuava incrédulo. - E onde está o senhor, se dizeis que não morreu, meu bom homem…?!
    - Neste momento estará em caravana pelo deserto. Dirige-se para Betabara, a fim de não ser encontrado, com sua mãe, mulher e filhos numa cáfila alumiada por uma lâmpada de azeite acesa de 2 em 2 horas.
    - Betabara... tendes a certeza?
    - Sim...
    - Aleluia… Aleluia, meu Deus! – E dito isto, João abraçou Tomé, informando-o que iria partir imediatamente em busca do Senhor.

    Aproveitando aquilo que lhe parecia um breve momento de consciência daquele homem que jazia moribundo no seu leito, João não se conteve e abraçou-o.
    - Bendito sejas, Senhor! – Exclamou. – Como vos sentis?
    Abrindo com esforço os seus ainda muito inchados e negros olhos, e esboçando um ténue sorriso acompanhado de uma interjeição dolorosa, aquela figura que em tempos arrastara consigo a multidão, espalhando a “palavra”, detinha-se agora queda e muda. Depois de um muito débil aceno de cabeça, voltou-se para o lado, fechou os olhos e adormeceu.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capitulo IV


Nazaré, 7 de Abril do ano 7 a.C.

    Aquela manhã de Primavera estava excepcionalmente quente, no pequeno burgo de Nazaré. Situada na encosta de uma colina, delimitada a leste por um pequeno ribeiro e rodeada de outeiros, Nazaré era um pequeno forno a partir do momento em que o sol decidia subir a mais de um palmo relativamente à linha do horizonte. Aldeia agrícola, com cerca de duas centenas de habitantes, apesar de muito singela, albergava muitos dos descendentes do ramo principesco do norte, da ilustre família do rei David.
    Dentro da oficina, o suor misturava-se com o pó proveniente do corte de madeira que, todos os dias, era feito para a manufactura das juntas de bois e arados. O ar estava pesado e o espírito de Gabriel estava inquieto, pois ansiava ser convincente na forma como abordaria o assunto com seu mestre – José.

    Filho de Jacó e descendente da Casa de David, José nascera em Belém havia trinta e três anos. Apesar de ter passado grande parte da sua juventude a ajudar o pai no cultivo da terra no Vale Esdrelon, desde cedo mostrara-se muito talentoso a trabalhar a madeira. E fora por essa razão que, havia já uma dezena de anos que este abandonara a agricultura e se dedicara exclusivamente à carpintaria, fazendo do labor o seu próprio lazer. Não era um homem galhardo mas, em compensação, a sua humildade encantava todos os que com ele privavam. De baixa estatura e atarracado, considerava o silêncio como uma das mais sublimes virtudes do homem.
   
    Enquanto fazia deslizar a plaina, em movimentos precisos sobre a trave de madeira que havia acabado de serrar, Gabriel encheu-se de coragem e, de uma só vez, soltou da sua boca as palavras que repetira mentalmente, de forma incessante na noite anterior.
    - Mestre, tenho um pedido a fazer-vos... – Começara ele, timidamente.
    - Hum... – Fora a única reacção que conseguira arrancar de José, que nessa altura parecia estar mais interessado em encontrar, sobre a sua pouco organizada bancada de trabalho, um martelo, do que saber de que pedido se trataria.
    Acto contínuo, Gabriel continuara.
    - Permitis que leve merenda a minha mãe que está muito débil e incapaz…? - Sentia que, nesse momento, as suas mãos suavam e a voz saia-lhe da boca com pouca firmeza. Receava poder ser indagado por tão evidentes sinais. No entanto, a evidência era só clara para ele próprio, já que José parecia não notar, tão absorto estava naquilo que fazia.
    - Claro, meu bom homem. Ide e ficai com ela durante toda a tarde. – Respondera-lhe José, sem tirar os olhos do martelo que, agora batia freneticamente nos pregos que se iam perdendo dentro da madeira do arado que ora findava.
    - Tendes a certeza que não precisais mais de mim, Mestre?! – A voz sumia-se cada vez mais apesar do entusiasmo que começava a sentir pela afirmativa do seu Mestre.
    - Não, Gabriel. Fazei-o. Adiantareis o trabalho na jornada de amanhã! – Concluiu.
    - Obrigado, Mestre...
    Gabriel nem queria acreditar. José acedera ao seu pedido, sem lhe ter perguntado por pormenores. Sabia-o justo mas, nunca pensara que fosse tão fácil e rápida esta conversa. Não se sentia bem em enganar aquele homem que considerava quase como seu pai. Mas o desejo era mais forte que a consciência.
    Sem dizer mais palavra, Gabriel continuou a aplainar a trave que tinha à sua frente, agora com maior vigor do que o havia feito até então. Estava radiante e, o que na noite anterior, quando se encontrava deitado sobre a cama a olhar indefinidamente para a viga de madeira que atravessava todo o seu quarto, lhe parecera ser a parte mais dura e difícil do seu plano, já estava consumado. Iria poder concretizar aquilo que há muito desejava. É hoje…

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capitulo III

Betabara, 11 de Abril do ano 30 d.C.
                                                                                                    
    - Apanhai… que é ladrão! – Gritava repetidamente e muito alvoraçado o cego, no mercado de onde Joshua acabava de fugir.

    Tinha entrado no mercado com um único intuito: sair dali, o mais rapidamente possível, na posse dos unguentos que fariam o seu pai voltar a ser o mesmo homem que havia sido até aquela fatídica tarde, que nunca mais conseguira apagar da sua memória. Ao dar uma volta de reconhecimento à praça – bem mais pequena do que aquela que conhecia, em Jerusalém –, os seus olhos detiveram-se numa banca, em particular, onde um homem, aparentemente cego e com um aspecto já muito decrépito, vendia uma panóplia de ervas para infusão, raízes, perfumes e unguentos. É ali…
    Uma vez que não tinha dinheiro para pagar o que quer que fosse, para conseguir concretizar o seu intento, só lhe restava uma solução. Roubar.
    Nada que o preocupasse ou sequer demovesse. Habituara-se a fazê-lo havia já muito tempo. Era o mais velho de 2 irmãos e desde muito cedo tivera a necessidade de se apoderar, de forma menos lícita, de pertences que não lhe pertenciam, sobretudo pão, mercearias e carnes fumadas, para ajudar ao sustento da casa.
    Seu pai reprovava esse comportamento de forma veemente. Para dissuadi-lo, recordava-lhe quase todos os dias a Lei de Deus sob a forma dos Dez Mandamentos, dizendo-lhe, “terem sido escritos pela própria mão de Deus, em tábuas de pedra, e entregues ao profeta Moisés, no sopé do Monte Sinai, a fim de mostrar o caminho duma vida liberta de escravidão e de pecado”. Depois de os nomear, ipsis verbis, fazia questão de enfatizar que quem não cumprisse o Decálogo estaria, aos olhos de Deus, a cometer um pecado mortal merecedor de castigo.
    Mas, mesmo assim, Joshua não tinha outro remédio senão continuar a contrariar aqueles decretos e continuar a pecar pois, o que era um facto é que, o seu pai nunca trabalhara e o dinheiro que a sua mãe ganhava na venda de tecelagens não chegava para dar de comer a todas as bocas que se reuniam todos os dias à volta da mesa.
    Assim, sem pensar duas vezes, e aproveitando um breve momento de ajuntamento à volta daquele local, abeirou-se da banca e, esticando o braço entre as gentes que se encontravam à sua frente, agarrou de súbito num frasco igual ao que certo dia vira a ser usado num outro homem açoitado. Recordava-se perfeitamente das letras inscritas no rótulo que o identificava. Já está…
    Mas ainda não tinha recolhido o frasco para dentro da sacola quando o velho começara a gritar desalmadamente, apontando na sua direcção. Fazia-o com tal alarido que Joshua não teve sequer tempo de escolher qual a melhor direcção a tomar para fugir dali.
    - Apanhai… que é ladrão! Apanhai… aquele bandido que ora foge… além… – Gritava o velho, com uma voz esganiçada, auxiliada por um dedo indicador já muito encarquilhado, alarmando as gentes que agora dirigiam o olhar para a criança que desatava a fugir.

    Joshua começou a correr de forma lesta e esquiva, serpenteando através das gentes que ocupavam o espaço dos exíguos corredores daquele mercado. Enquanto corria não parava de pensar em quão ingénuo havia sido. Devia ter percebido que a cegueira do velho não era real mas, uma forma ardilosa de captar a atenção da populaça. Sacana…
    Não obstante o medo que sentira, quase sem que desse por isso, Joshua conseguira escapar incólume a todas aquelas grotescas mãos, que se haviam lançado ao seu manto a fim de o apanhar. Neste momento, e com um passo menos acelerado, já se encontrava fora do mercado e a distância segura. Olhando em redor e certificando-se que já não havia vivalma por perto, parou. Havia que retomar o fôlego que perdera. Enquanto o seu coração voltava lentamente a entrar num ritmo compassado e a sua respiração se quedava mais vagarosa, abriu a sua sacola e observou que lá dentro jazia, indiferente ao medo, o frasco que ali metera. Consegui…

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capitulo II

Nazaré, 7 de Abril do ano 7 a.C.

    Naquela manhã, Maria estava excepcionalmente agitada. Sabia que Gabriel iria aparecer em sua casa à hora da merenda. Tinha-lho dito, no dia anterior, quando com ela se encontrara  junto à fonte, à saída do povoado.

    A fonte passara a ser o local onde os mesmos se encontravam, quase todos os dias, desde que se haviam conhecido. Haviam feito da recolha de água, ao alvorecer, a forma – a única, até então – de se encontrarem. E não obstante haver muita gente do povoado a deslocar-se à mesma hora a essa bica, para se abastecer de tão precioso líquido, eles nunca haviam feito ninguém suspeitar do amor que nutriam um pelo outro.
    - Desejo-vos, Maria… – Sussurrara-lhe ao seu ouvido Gabriel quando, já sem ninguém por perto, levara o seu cântaro à fonte e se abeirara o mais que pode do corpo dela.
    - Não devieis dizer tais insanas palavras, Gabriel! Pois que está errado isto que ora fazemos... Não podemos continuar a ver-nos… – Replicara Maria, se bem que as palavras que lhe saíam da boca não correspondessem verdadeiramente àquilo que o seu coração sentia.
    - Amanhã, irei seguro a vossa casa, Maria… desejo amar-vos...
    Ao ouvir isto, Maria estremeceu. Apesar dessa ideia perturbadora já lhe ter passado muitas vezes pela cabeça, corroendo-lhe a alma como um fogo ardente, ela lutava por afasta-la do seu pensamento e nunca ousara proferi-lo. Nunca esperara, também, que Gabriel alguma vez o fizesse, por respeito a José.
    - Não... – Ripostara de imediato, assustada e confusa com aquilo que acabava de ouvir – Não me façais passar por tamanha provação, Gabriel. Peço-te...
    Mas Gabriel continuou, sussurrando-lhe ao seu ouvido, como se não tivesse escutado aquele apelo que, sabia-o, não era sentido.
    Sem dizer qualquer outra palavra que fosse, Maria quedou-se imóvel a escutar o plano que Gabriel elaborara para concretizar o seu intento. Depois de o ouvir, ficara sem pinga de sangue. Agarrara no cântaro, que estava agora repleto de água fresca e límpida, colocara-o à cabeça e fugira dali no passo mais apressado que as suas pernas permitiam.

    Gabriel era um jovem garboso a caminho da vintena de idade, de feições delicadas e trato educado, que trabalhava como carpinteiro na oficina de José, havia quase um ano. Desde o dia em que fora convidado para cear em casa do seu mestre e conhecera a sua esposa, que ficara enamorado daquela doce e cândida figura. Nunca mais esta lhe saíra do pensamento. Expressara-o, certo dia em que esta fora levar a merenda à oficina. Lutava diariamente contra este sentimento pois tinha consciência que estava errado cobiçar uma mulher que já pertencia a outro homem – principalmente, aquela mulher – mas também sabia que esse sentimento não desapareceria enquanto não a amasse, nem que fosse por uma única vez.

     Depois de limpar a casa com maior afinco do que alguma vez fizera, Maria tomou um banho com sabões perfumados e, sem que vestisse qualquer roupa para esconder o seu corpo, fechou as cortinas da pequena janela que iluminavam o quarto e deitou-se sobre a cama, cobrindo-se com o melhor dos tecidos que possuía. Já não deverá demorar...

domingo, 5 de fevereiro de 2012


A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capítulo I


Betabara, 11 de Abril do ano 30 d.C.
                                                                                                  
    Joshua percebia que o seu pai ainda se encontrava muito frágil e exaurido. Mal conseguia falar e as chagas perfurantes que marcavam o seu escanzelado corpo tinham ainda um aspecto asqueroso e muito ensanguentado. Desejava que ele recuperasse depressa daquele atroz sofrimento. Não conseguia vê-lo naquele estado durante muito mais tempo. Tinha de fazer alguma coisa. Tinha de actuar rapidamente. Se assim pensou, melhor o fez.
    Pegou na sacola de couro e, sem dizer palavra, saiu de casa. Madalena ainda tentou saber onde é que ele ia, mas já não obteve resposta, a não ser o som surdo do bater da porta.
     Em passo apressado, Joshua dirigiu-se em direcção ao mercado de Betabara, no centro do povoado, decidido a conseguir encontrar os unguentos adequados a fazer sarar aquelas feridas.
    Tinha apenas 12 anos de idade, mas já há muito sabia o que era viver numa condição de descrição absoluta. Nunca revelara a sua verdadeira identidade, nem tão pouco a do seu pai pois, dissera-lhe certa noite Madalena, tal poderia ser deveras comprometedor, não só para ele como para o resto da sua família. Mas agora não queria saber. Afinal de contas, aquilo que mais temera já havia acontecido. Para além do mais, já se encontrava a distância segura, depois da duríssima jornada feita pelo deserto, durante dois penosos dias.

    Ao ouvir bater com estrondo na porta, Madalena abandonou os preparos que fazia na cozinha, acompanhada de Maria, e apressou-se a abri-la julgando tratar-se de Joshua. Ao abri-la, ficou estupefacta com o que viu. Afinal, não era o seu filho que se fazia anunciar. A figura que se prefilava à sua frente era a de João. Não pode ser! Resultou…
   Não esperava que a ideia que a sua sogra tivera durante a jornada, pudesse ter sortido o efeito desejado. Duvidara que tal discreto procedimento viesse a ser, alguma vez, eficaz. Mas enganara-se. Tal como lhe havia dito Maria, daquela forma singela, o mais fiel dos amigos do seu filho haveria de o encontrar. Encontrou-o...

        João encontrava-se agora junto do seu mentor. Conseguira, com a ajuda das gentes que viviam em tendas no deserto, e que haviam visto tal caravana peculiar passar – uma caravana muito diferente das demais pois, sem qualquer razão aparente, fazia-se alumiar de 2 em 2 horas, através de uma lâmpada de azeite –, chegar ao casebre que albergava aquele que fora injusta e vilmente castigado - dado como morto naquela tempestuosa tarde do dia 7 de Abril, no Lugar da Caveira, fora das muralhas de Jerusalém.
    Estava exuberante com o reencontro e, apesar de aparentar grande sofrimento, João tinha a certeza que o seu amo não voltaria a morrer outra vez. Milagre…