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quinta-feira, 29 de março de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)

Capítulo XVIII

Belém, 07 de Abril do ano 30 d.C.

    Uma vez que, por essa altura, se celebrava a Páscoa, os dirigentes Judeus solicitariam a Pilatos para que aqueles corpos não ficassem expostos no Gólgota, mas que se lhes dessem sepultura ainda nesse dia antes do pôr-do-sol. Como a lei judaica não permitia a sepultura de um crucificado num cemitério judeu, os guardas do templo haviam-lhe pedido para que aqueles três corpos fossem atirados para os fossos abertos de Gehena, ao sul da cidade. Não fosse a lesta acção de um dos seguidores de Jesus, que haveria de alterar para sempre o desfecho da sua vida, e esse teria sido o último destino do seu corpo naquele dia.

    Depois de ter passado um pouco mais de uma hora após as suas derradeiras palavras, para os seus executores Jesus encontrava-se morto e bem morto. Assim, dispensando o habitual trespasse do coração com a lança, dois soldados romanos retirá-lo-iam daquele madeiro permitindo aos seus familiares que tratassem, agora, do seu corpo inerte. As mulheres assim o fizeram. Com os rostos pejados de lágrimas, limparam-no muito cuidadosamente com um pano molhado, untaram-no com aromas e embrulharam-no num lençol de linho branco. Depois de executados estes preparos tiveram permissão para o transportarem, para a sepultura que pertencia a José de Arimatéia que, a troco de suborno, tinha conseguido a permissão de Pilatos para reclamar a si o sepultamento de Jesus.
    Por volta das quatro e meia da tarde a procissão do enterro de Jesus de Nazaré partiu do Gólgota, em direção ao túmulo de José de Arimatéia, do outro lado da estrada. O corpo de Jesus fora levado pelo próprio José de Arimatéia com a ajuda de Nicodemos, João e do centurião romano. Tal procissão fora seguida pelas mulheres, que se mantiveram fiéis na vigília.
    Os quatro homens leva-lo-iam, com reverência, até dentro da tumba - uma câmara quadrada com cerca de três metros de lado - que preparariam apressadamente para o seu sepultamento, colocando-o numa das suas plataformas. Logo de seguida, o centurião faria um sinal para que os seus soldados o ajudassem a rolar a pedra da frente de forma a selarem o túmulo. Depois de concretizado este derradeiro procedimento, alguns dos soldados partiriam para Gehena, levando os corpos dos ladrões, enquanto outros voltariam para Jerusalém, a fim de festejarem a Páscoa.
    Entretanto, as mulheres permaneceriam perto da tumba até que a noite escura chegasse. Uma vez que estas achavam que Jesus não havia sido preparado apropriadamente para o sepultamento, entre si, fizeram um acordo de voltar à casa de José, descansar no sábado, preparar especiarias e unções e voltar no domingo pela manhã para preparar o corpo do Mestre de modo apropriado para o eterno descanso.
 

sábado, 24 de março de 2012


A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)

Capítulo XVII

Belém, 07 de Abril do ano 30 d.C.

    Ao contrário do que lhe dissera sua mãe, e porque na noite anterior a ouvira dizer a Maria e às suas irmãs, Salomé e Marta – aquando da sua chegada, já muito tardia e solitária a casa, após a ceia para a qual havia sido convocada – que o seu pai havia sido preso pelos guardas do templo, Joshua não permaneceu em casa com os seus tios Judá e Rute. Atreveu-se a segui-la até àquela praça onde a multidão exaltava com o terrível veredicto de Pilatos.
    Joshua ficaria horrorizado com aquilo que, naquele dia, ali viria a assistir. Nunca esperara presenciar tamanha crueldade e traição por parte daqueles que em determinada altura idolatraram o seu pai. Os mesmos que, agora, eram também os responsáveis pela sua condenação.
    O seu coração parecera querer saltar-lhe do peito quando viu o seu pai humilhado, nos degraus da entrada principal do Pretório, vestido com um velho manto real e com uma coroa de espinhos sobre a sua fronte. As lágrimas escorreram-se pela face em catadupa e só o seu pequeno tamanho fizera com que passasse despercebido às gentes que o haviam visto acompanhado de Jesus, desde a sua chegada a Jerusalém, havia precisamente 3 dias.
    Depois de Jesus ter sido agarrado pelos soldados romanos, que o conduziriam para as traseiras do edifício, Joshua correu para o Gólgota, pois sabia que seria esse o local da execução que fora determinada pelo terrível veredicto de Pilatos. Durante o caminho ouviria o escárnio das gentes que aguardavam pela passagem do seu pai e por instantes apetecera-lhe matar todos quantos ali se encontravam.
    Uma vez chegado àquela colina, que ficava fora das muralhas da cidade, observara que dois outros homens já haviam sido ali crucificados pelos centuriões romanos. Ficara horrorizado com aquela cena. A mais macabra que vira até à data. O choro e a raiva que sentia tornavam-se, agora, ainda mais intensos. Não queria acreditar que o mesmo pudesse vir a acontecer, pouco tempo depois, com aquele que era o seu pai.
    Permanecendo agachado, por detrás de um grande penedo – de forma a não ser visto por ninguém – Joshua conseguia observar toda a parte baixa da cidade. Distinguia as ruas por onde, ainda havia pouco tempo, passara e que continuavam apinhadas de figuras humanas, aguardando por aquela que se viria a revelar como uma penosa caminhada de Jesus até ao Calvário. A certa altura, conseguira ver a figura do seu pai carregando o enorme cadafalso, ao mesmo tempo que a multidão que o rodeava aplaudia e zombava daquele martírio por que passava. Pouco faltaria para que ele chegasse ao Lugar da Caveira.
    Durante os minutos que se seguiram, Joshua viu começarem a chegar alguns dos seus seguidores e amigos. Num primeiro grupo vira chegar Pedro, André, Tomé, Filipe e Mateus. Estes eram seguidos por Bartolomeu e Tiago Maior. Um pouco mais atrás surgiriam as figuras de Tiago Menor, Simão, Tadeu e João. De todos aqueles que haviam sido os mais fiéis discípulos de Jesus, estranhamente só Judas Iscariotes não se encontrava. Instantes depois, era a vez da sua mãe que, abraçada à sua avó, estava inconsolável e num enorme pranto. Salomé e Marta seguiam-nas um pouco mais atrás. Queria poder ir para junto delas mas sabia que não o podia fazer. Manteve-se assim, muito quedo, observando tudo o que ali se seguiria.
    A determinada altura, veria impotente a chegada de Jesus e ficaria petrificado pois quase não o reconhecera, tanto era o sangue que lhe escorria pela face. Depois de passados apenas alguns minutos para que se procedessem aos preparativos da execução, vira os centuriões romanos a cravarem os enormes pregos nas mãos e posteriormente nos pés de Jesus.
    - Não... – Gritara, mudo, o seu espírito com tamanha raiva e angústia. – Não...
    Joshua não conseguia conter as lágrimas que lhe escorriam desordeiramente pelo rosto. E assim ficaria, durante mais algum tempo a assistir à agonia do seu pai, agora, jazendo suspenso naquela cruz.
    Sentindo-se impotente diante daquela situação horrenda, aproveitara a debandada geral, aquando da aproximação da tempestade de areia, para também ele voltar para casa. Já não havia nada a fazer.
    O seu jovem coração estava destroçado. Como era possível o homem ser tão cruel. Fazer tanto mal a alguém como o seu pai que fora sempre bondoso e cortês para todos. O mundo havia desabado. A partir desse dia, Joshua nunca mais seria o mesmo. Sabia-o

quarta-feira, 21 de março de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capítulo XVI

Jerusalém, 7 de Abril do ano 30 d.C.

    Porquê? – Esta interrogação, que lhe corroía o espírito desde que saíra do pátio do Pretório, só haveria de ser interrompida quando sentira a dor agonizante dos ossos desfeitos, depois da forte pancada desferida pelo carrasco romano sobre o cravo de ferro que, agora, prendia firmemente a sua mão direita à madeira daquela cruz.

    Ainda não eram nove horas da manhã quando, depois daquele terrível veredicto, quatro soldados romanos haveriam de levar Jesus até junto dos vários cadafalsos que estavam desordenadamente depositados numa espécie de armazém, nas traseiras do Pretório. Uma vez que Jesus se havia intitulado o rei dos judeus, os guardas obrigá-lo-iam a carregar o maior e mais pesado de todos quantos ali haviam. Com esta cruz aos seus ombros, Jesus sairia para a rua onde uma multidão, com cerca de mais de duzentas pessoas, o aguardavam vociferando, ávidas por ver aquele atroz sofrimento, numa espécie de catarse colectiva.
    Apesar de ter sido escolhido o caminho mais directo, a penosa caminhada até ao Lugar da Caveira, haveria de durar mais de uma hora, para gáudio dos muitos que apinhavam as estreitas ruas de Jerusalém e tristeza de outros, que se lançavam em seu auxílio, sempre que este, já não podendo mais com tamanho fardo, caía prostrado no chão.
    Alcançado o Gólgota, onde dois dos comparsas de Barrabás seriam, também, naquele dia executados, os soldados romanos haveriam de lhe dar a beber uma mistura à base de vinho, que funcionava como uma espécie de estupefaciente. Mas, tendo provado a bebida, Jesus recusara-a. Depois de despojado do velho manto real, túnica, cinto e sandálias, que os carrascos partilhariam entre si, o seu corpo, coberto apenas pelo pano da decência, haveria de ser içado a uma altura razoável com o madeiro que ele próprio carregara.
    - Porquê? – Esta interrogação não lhe saía da cabeça. A sua consciência não encontrava um motivo suficientemente forte para que pudesse merecer tamanho martírio. Não havia razão para tamanha injustiça. Certo dia, sua mãe contara-lhe que três homens a haviam visitado e dito que ele haveria de ser o rei dos judeus. Mas tal profecia não se havia concretizado. Pelo contrário. Havia tido uma vida pouco melhor do que miserável e agora estava ali diante do seu povo completamente exposto ao escárnio e maldizer.
    - Porquê? – O sol batia-lhe sem piedade nos olhos, já muito inchados e ensanguentados devido aos espinhos que lhe perfuravam a fronte mas, mesmo assim, conseguia vislumbrar a escassos metros a figura da sua mãe, da sua mulher, de João e de outros amigos.
    Maria, agarrada a Madalena, chorava compulsivamente e rogava àqueles soldados para que tivessem piedade do seu filho. Mas os homens pareciam não ouvir as suas súplicas e continuavam, imperturbáveis, a dar continuidade ao serviço para o qual haviam sido incumbidos.
    De súbito, Jesus ficaria praticamente inconsciente com a dor agonizante que sentiria nos ossos que se desfaziam, depois da forte pancada desferida pelo carrasco romano sobre o cravo de ferro que, agora, prendia firmemente a sua mão direita à madeira daquela cruz. Sem ainda se ter recomposto da dor infligida e logo outra, tão atroz, haveria de sentir quando um outro cravo lhe perfurara a esquerda.
    Nessa altura, Jesus deixaria de ouvir o pranto daquelas mulheres, agora, agarradas violentamente por dois dos soldados que ali estavam com o intuito de assegurarem a conclusão daquela execução. Já inconsciente, Jesus foi depois seguro, sobre a estaca que suportava o peso, por um terceiro cravo, que lhe trespassaria os pés sobrepostos.
    De repente, e sem que nada o fizesse esperar, o céu tornar-se-ia cinzento e no ar a finíssima poeira revelava a chegada iminente de uma forte tempestade de areia, característica daquela época do ano. Assim, depois de consumada a crucificação, a populaça começou paulatinamente a desmobilizar daquele local a fim de se proteger em suas casas. Ali só haveriam de ficar dois soldados romanos – encarregues de assegurarem que os corpos não seriam retirados sem antes lhes ter sido roubada a alma pelo criador – juntamente com Maria, Madalena, Salomé e os seus irmãos Judá e Rute.
    As horas iam passando e a tempestade mostrava-se cada vez mais violenta. O vento, que trazia a areia do deserto, soprava de tal maneira forte que feria a face daquelas figuras que se mantinham herculeamente junto de Jesus, protegendo-se da melhor forma que conseguiam com os seus mantos.
    A agonia que Jesus sentia era maior a cada hora que passava. Para além das insuportáveis dores que lhe percorriam o corpo, a sua temperatura interior elevar-se-ia a ponto de entrar em convulsão. Por duas ocasiões Jesus suplicara por água. E em ambas o seu desejo haveria de ser correspondido pelos soldados, que para tal saturavam uma esponja desse líquido, que lhe faziam chegar à boca com a ajuda de uma lança.
    Quando pouco faltava para as três horas da tarde, já muito agitado, Jesus dissera:
    - Está acabado! – Depois de dizer isso inclinou a sua cabeça e pareceu abandonar a luta pela vida.

    Maria ficaria inconsolável pois, agora, sabia que este era o castigo que Deus lhe havia reservado pelo pecado por si cometido naquela tarde, havia precisamente trinta e sete anos.

segunda-feira, 19 de março de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capítulo XV

Jerusalém, 7 de Abril do ano 30 d.C.
      
    - Crucificai-o! Fora daqui com este e solta-nos Barrabás… – A multidão acotovelava-se, naquela exígua praça que se estendia defronte ao Pretório, gritando de forma histérica o seu nome. Haviam sido, ali, convocados, naquela sombria sexta-feira pascal, para decidirem sobre quem deveria ser poupado à crucificação. Depois de um penoso e interminável interrogatório e com o corpo Já muito castigado dos açoites infligidos, Jesus sujeitava-se, agora vestido com um velho manto real purpúreo sobre a sua túnica e uma coroa de espinhos que feria a sua fronte, nos degraus da entrada principal daquele imponente edifício, ao escrutínio daquela gente que havia sido ludibriada por um punhado de moedas com o propósito de o condenar. Naquele dia a escolha recaía entre ele e Barrabás.

    Ainda poucos minutos haviam passado das seis horas daquela manhã do dia de 7 de Abril quando, amarrado, Jesus fora levado pelos guardas do templo perante Pôncio Pilatos, então procurador romano do governo da Judeia, para se sujeitar a um interrogatório. Pesavam sobre ele as acusações de instigar a rebelião, não pagar os impostos a César e auto-proclamar-se o rei dos judeus. Durante essa penosa e interminável inquirição, que decorrera numa das mais inóspitas salas do Pretório, Pilatos tentara de tudo para poupar Jesus ao castigo que a multidão, presente naquela praça, exigia. Já havia muito tempo que o quinto governador da Judeia ouvira falar daquele homem e sabia que as acusações que lhe eram atribuídas não passavam de uma forma ignóbil e cobarde que os sacerdotes do templo judaico haviam encontrado para o calar definitivamente. “Jesus de Nazaré falava mais como um amigo dos romanos do que dos judeus.” - Declarara, Pilatos, numa missiva endereçada ao imperador romano, Tibério César, havia poucos dias antes.
    Por altura da Páscoa os governadores romanos, por cortesia com aquele povo, faziam questão de cumprir uma tradição judaica: poupar um criminoso à pena de morte. Para tal deixavam que fosse a própria população a decidir sobre quem desejava ver amnistiado do crime cometido. Naquela manhã essa escolha incidia entre Jesus e Barrabás que, natural da cidade de Jopa, fora preso depois de matar um soldado romano, num ataque movido à cidade de Cafarnaum.
    Sabendo da inocência e da popularidade de Jesus sobre as gentes da região, convencido que a multidão ali reunida fosse assim optar por o salvar da morte, Pilatos indagara aquela multidão agitada:
    - Uma vez, eu ainda vos pergunto, qual desses prisioneiros devo libertar para vós, nesta época da vossa Páscoa?
    - Dá-nos Barrabás! – Berraram as gentes, em uníssono, para surpresa de Pilatos que não esperava tão estranho e inesperado veredicto.
    - Se eu libertar Barrabás, o assassino, o que farei com Jesus? – Indagara confuso com o que acabara de ouvir.
    - Crucificai-o! Crucificai-o! – Continuaram, a gritar, também alguns daqueles que a certa altura o haviam admirado.
    Atemorizado com tamanho clamor da multidão e porque não queria arriscar a um motim durante a época da Páscoa em Jerusalém não lhe restara alternativa senão ordenar a libertação de Barrabás e a crucificação de Jesus. Depois de pronunciado este seu contrariado veredicto, e detendo-se nas escadas da entrada principal do Pretório, perante a multidão, Pilatos ordenara que ali lhe trouxessem uma bacia cheia com água. Em poucos minutos o fizeram. Assim, e ao mesmo tempo que lavava o sangue proveniente dos açoites que havia infligido durante aquele interrogatório a Jesus, dissera:
    - Sou inocente do sangue deste homem. Estais decididos que ele deve morrer, mas eu não encontrei nenhuma culpa nele. E, pois, cuidai vós disso. Os soldados o levarão.
    Então a multidão aplaudiu e replicou:
    - Que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos.

domingo, 18 de março de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)


Capítulo XIV

Jerusalém, 7 de Abril do ano 30 d.C.

    Depois de uma bem-sucedida fuga para o Egipto, escapando dessa forma ao massacre que Herodes ordenara quando tinha apenas um ano de idade, Jesus voltaria – depois da morte de tão vil figura real – para a Galileia, juntamente com toda a sua família.
    Em Nazaré, tivera uma infância igual à de qualquer outra criança da sua idade: ajudava muitas vezes, na oficina, aquele que se intitulava seu pai; auxiliava a sua mãe nas tarefas domésticas; comparecia, todas as semanas, na sinagoga a fim de ouvir os ensinamentos do evangelho; brincava alegre e despreocupadamente com outras crianças da sua idade.
    Depois da trágica e inesperada morte de José – que ocorrera acidentalmente em casa do governador da Galileia, em Séforis, devido à queda de um mastro – Jesus, agora com pouco mais de catorze anos de idade, despertava para a compreensão e para a responsabilidade de tomar conta da sua mãe, viúva, e de sete irmãos – e de um outro mais, que estava para nascer. Tornava-se, agora, o único esteio e conforto dessa família tão subitamente enlutada.
    Com o passar dos anos tornar-se-ia um homem gracioso na figura. O seu cabelo, castanho, era liso até as orelhas e ondulado até os ombros, onde era mais claro. No meio da cabeça aparecia dividido, conforme o costume dos Nazarenos. De semblante reverente, a testa era lisa e delicada. Os seus olhos eram acinzentados, claros, e espertos. O seu nariz e boca não podiam ser repreendidos. A barba bifurcada e não muito longa era espessa e da mesma cor do cabelo. De aparência inocente, Jesus tornar-se-ia num homem cortês, justo e sábio na oratória. De tal forma que, ao longo da sua vida adulta passaria a usar esses seus dons como uma arma de arremesso contra a ordem social estabelecida.
    Conseguiria, através da palavra, arrastar as multidões e atemorizar os que detinham o poder. Igualmente contestatário sobre o conteúdo e a forma como o evangelho era celebrado nas sinagogas judaicas, Jesus haveria de ser condenado pelos sacerdotes do templo, que viam na sua figura a blasfémia e a imoralidade em pessoa.

quarta-feira, 14 de março de 2012


A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)

Capitulo XIII

Belém, 06 de Janeiro do ano 7 a.C.

    Eram ainda passados muito poucos dias sobre o nascimento de Jesus – agora deitado sobre as palhas enxutas de uma manjedoura e embrulhado num manto branco de lã – quando, certa noite, três homens de semblante muito distinto, trajando vestes finas de cores exuberantes, compareciam junto dele, naquela fria e escura gruta nos arredores de Belém.

    Provindos das longínquas terras do oriente, e fazendo-se acompanhar de uma comitiva de nove outros homens, três astrónomos – discípulos de Zoroastro – haviam atravessado o deserto conduzidos por um fenómeno astronómico rarissimo: a conjução dos planetas Júpiter e Saturno, na constelação de Peixes. Esta proximidade planetária tivera como resultado o surgimento de uma resplandescente e rara dupla estrela nos céus noturnos da Judeia a que estes logo haviam associado ao nascimento de um novo rei na região.
    Ao longo de um ano, e depois de um percurso de mais de mil quilómetros, eles haviam chegado ao palácio do rei Herodes, em Jerusalém, a fim de saberem mais notícia sobre tal nascimento real. Alarmado e sentindo-se ameaçado, Herodes informara-os que nada sabia a esse respeito e pedira-lhes que, caso o encontrassem lhe dessem conhecimento pois, também ele queria ir adorá-lo. Os homens anuiriam mas nunca o fizeram. Mesmo assim, para acabar com aquela que considerava ser uma séria ameaça ao seu poder na região, um ano depois este monarca haveria de dar ordem para que se matassem todas as crianças que não tivessem atingido os dois anos de idade obrigando, assim, aquela pobre família a fugir para o Egipto.
    Chegados a Belém, os três homens haveriam de ser informados pelo dono do albergue que uma mulher grávida havia lá estado alguns dias antes, acompanhada do seu esposo mas, porque não havia espaço para os acolher, havia abandonado o local deslocando-se para fora do povoado. Assim, os homens decidiram procurar nas imediações do burgo por algum casebre onde tal família pudesse estar asilada. Num dos sinuosos caminhos por onde se fizeram deslocar, e já muito desolados por não terem conseguido – em todas as casas onde haviam batido à porta – encontrar qualquer família com uma criança recém-nascida, haveriam de ver uma ténue fumaça branca a dissipar-se no negrume dos céus, provinda de uma fogueira, junto à entrada daquilo que lhe parecia ser uma gruta. Achando tal situação muito inusitada, acabariam por investigar.
    Melquior, homem cuja idade roçava a sétima dezena de anos e cuja cabeça se fazia cobrir de cabelos e barbas brancas, fora o primeiro a entrar. Empunhando uma tocha na sua mão direita e entrando muito sorrateiramente, Melquior pusera em grande sobressalto Maria e José que, agora, dormiam.
    - Não temeis, meu bom homem… que vimos em paz…! – Murmurara Melquior, quando se apercebera que, para além de alguns animais, aquela gruta albergava também uma família constituída por dois adultos e uma criança, recém-nascida, que começava, exactamente por esta altura, a chorar.
    Enquanto José se punha em pé da forma mais lesta que encontrava, com a mão sobre a fronte a fim de evitar a intensa luz proveniente da tocha que o encadeava, perguntara assustado:
    - Quem sois vós…?! O que quereis…?!
    - Descansai… que vimos em paz... – O alívio que estas palavras pretendiam produzir no espirito de José seria imediatamente quebrado, quando este observou que outras duas tochas deambulavam erraticamente na sua direcção, conduzidas por outras figuras tão exuberantes, na forma de trajar, como o homem que falava.
    Desta feita, um moço robusto, de apenas vinte anos, que se havia de apresentar à família com o nome de Gaspar dissera-lhe, com uma voz firme e clara:
    - Só desejamos ver aquele que é o rei…
    - Rei…?! Mas que deveis estar enganados, vossas senhorias… que aqui não há nenhum rei… – Ripostara-lhe José, de forma algo atabalhoada pela tamanha bizarria que acabava de ouvir.
    Ao mesmo tempo, Maria que se quedava muda e assustada, temendo pela vida do seu filho, colocava-se entre aqueles estranhos homens e a manjedoura onde Jesus continuava a chorar.
    - Deixai-nos passar… – Dissera abruptamente o terceiro homem, de cútis morena e barba cerrada, aparentando ter menos idade que o primeiro e mais do que o segundo, que se haveria de intitular como Baltasar.
    Percebendo-se indefesos, à mercê da vontade daqueles três homens, o seu sangue gelara-se-lhes de tal forma que não conseguiriam oferecer-lhes qualquer resistência. À medida que estes penetravam mais adentro naquele abrigo, em direcção à manjedoura, José arredar-se-ia para o lado e Maria faria exactamente o mesmo, com os olhos marejados de lágrimas e temendo o pior.
    Sem que nada o fizesse prever e para pasmo de José e Maria, que ficariam petrificados a observar tão insólita cena, os três homens abeiraram-se da manjedoura e logo que vislumbraram a figura do menino, que agora miraculosamente se calara, prostraram-se em sinal de adoração. Depois de uma série de surpreendentes orações, retirariam do interior dos seus mantos aquilo a que chamariam de “tesouros”, depositando-os junto dele. Melchior entregar-lhe-ia ouro “em reconhecimento da realeza”, dissera; Gaspar depositaria incenso “em reconhecimento da divindade”, dissera; e, por último, Baltazar deixar-lhe-ia mirra “em reconhecimento da humanidade”, dissera.
    Pouco tempo depois, estes três faustosos homens haveriam de abandonar aquela gruta longe de saberem que, aquele a que haviam adorado como se de um rei se tratasse haveria de ser condenado à morte, trinta e sete anos mais tarde, pela mesma razão.

domingo, 11 de março de 2012

A Verdade do Evangelho
(Segundo a perspectiva de Luís Alturas)

Capitulo XII

Betabara, 25 de Dezembro do ano 30 d.C.

    Já se haviam passado mais de 9 meses sobre aquela fatídica tarde e Jesus encontrava-se, agora, praticamente recuperado, graças ao curandeiro que continuava a fazer-se deslocar a sua casa, todos os dias ao romper da alva. Não tivera uma convalescença fácil. Ao contrário, essa fora muito demorada e dolorosa. No entanto, tinha valido a pena todo o sofrimento por que passara já que, agora, ele apresentava-se o mesmo homem que João decidira seguir há alguns anos atrás.
    De todos os seus doze mais devotos discípulos, João era o mais novo e aquele por quem Jesus nutria maior confiança e amizade. Era um homem muito imaginativo nas suas comparações, introspectivo nas suas dissertações e pouco falador. Jesus tratava-o como Filho do Trovão pois, das poucas vezes que deixava que as palavras saíssem da sua boca, fazia-o com tal intensidade que não deixava ninguém indiferente. Havia sido pescador de profissão, no lago Tiberíades e, juntamente com o seu irmão Tiago, havia feito sociedade com André e Pedro. Desde que começara a acompanhar Jesus, decidira abandonar por completo essa actividade e passara a viver os seus dias apenas com um único objectivo: o de servir, da melhor forma que sabia e conseguia, o seu amo e senhor.
    No dia do seu trigésimo sétimo aniversário, João quisera presentear Jesus com uma grande ceia, onde estivessem reunidos todos os seus discípulos. Para concretizar tão ambicioso propósito, João enviara um mensageiro a Jerusalém para que este fizesse chegar notícia a Tiago. Caberia, assim, a este último convocar os demais para que tão surpreendente acontecimento pudesse ter lugar. Seria a primeira ceia que fariam depois da última, que tivera lugar no Monte Sião e onde João não estivera presente.

    Essa havia decorrido na quinta-feira pascal em casa de João Marcos – jovem que haveria de correr nu apenas algumas horas mais tarde – e revelar-se-ia uma reunião arrepiantemente premonitória. Contara-lhe Madalena, que nessa noite aí se fizera representar, a pedido de Jesus, que no princípio da ceia ele havia conversado muito amavelmente com todos mas que, de súbito, e sem qualquer razão aparente, tornara-se muito sério e triste.
    Recordava-se que a determinada altura, enquanto ele servia a alface aos que estavam ao seu lado, encarregando Judas Iscariotes, que lhe ficara quase em frente, de fazê-lo pelos demais, com um semblante carregado e de uma forma muito grave lhes dissera: “Um de vós irá atraiçoar-me.”; que mais tarde, pegara num pedaço de pão que se encontrava à sua frente e que, para surpresa de todos, proferira uma outra afirmação tão estranha como a anterior: "Este é o meu corpo que será entregue a vós"; e que já no final da ceia pegara no seu cálice, que enchera previamente de vinho, e ao mesmo tempo que o levantava no ar lhes dissera: "Este é o meu sangue, o sangue da vida que será derramado por vós.".
    Madalena ficara extremamente assustada com as palavras que ouvira sair da boca do seu esposo naquela ceia, mas não tivera oportunidade de saber mais detalhes pois, ainda nessa mesma noite, ele seria preso pelos guardas do templo e levado a um interrogatório no Pretório.
   
    Tiago havia conseguido falar com os demais companheiros e assim, naquele momento estavam, como fora o propósito de João, todos os treze homens sentados à volta da grande mesa de madeira que preenchia o centro daquela casa. Mas, desta feita, e ao contrário do que se havia passado na última ceia, Madalena não se sentara ao lado direito do seu esposo. Quem ocupava esse lugar era, agora, João.
    Numa altura em que todos falavam ainda muito desordeiramente, contando aquilo por que haviam passado desde a última vez que haviam estado reunidos, e sem que ninguém esperasse, Jesus fizera uma inusitada pergunta:
    - E Judas Iscariotes?!
    Nessa altura, fizera-se um silêncio sepulcral. Enquanto uns baixavam os olhos para o prato ainda vazio que tinham à sua frente, outros olhavam atónitos para Jesus sem saberem o que dizer. Seria João que acabaria por interromper aquele incómodo silêncio, contando-lhe que este seu discípulo havia cometido suicídio, através de enforcamento, sem lhe apontar, no entanto, a verdadeira razão para tão tresloucado acto.
    Consternado com aquilo que João acabava de lhe comunicar, Jesus agarrou no jarro de argila que alojava o vinho destinado àquela ceia, encheu o seu cálice e levantou-se. Depois, solicitou a todos os seus discípulos para que fizessem o mesmo. Sem hesitarem, assim o fizeram.
    Certificando-se que estavam todos de pé, munidos dos seus cálices repletos de vinho, Jesus dissera-lhes:
    - Fazei isto em memória dele…
    E de um só trago beberam todo aquele doce líquido em memória de um traidor.